A Beat
Generation surge na década de 40, quando os Estados Unidos recuperavam da
Grande Depressão e entravam na “época dourada” do pós-guerra. Contudo, a ideia
do sonho americano, sereno e confortável, não era uma realidade para todos os
cidadãos americanos. Foi sobretudo entre os jovens universitários que a
necessidade de expressar uma alternativa aos ideais político-sociais existentes
nos Estados Unidos do pós-guerra se começou a sentir. Obras como On the Road de Kerouac ou Howl de Ginsberg são testemunhos desta
necessidade de romper com o modelo social da sociedade de consumo conformista.
A generalidade dos autores Beat desprezavam quem encontra felicidade no
consumismo e na vida convencional familiar e profissional. On
the Road aparece-nos como manifestação da necessidade de rutura desta
sociedade e da busca de redenção no espaço americano. O tema da viagem através da América como meio de retorno à pureza americana
original é um tema recorrente na literatura americana, em autores como Walt
Whitman ou Mark Twain. Efectivamente, a geração Beat deu o seu contributo para
a continuidade desta tradição.
Kerouac viu em Neal Cassady a encarnação do espírito
explosivo e a energia espiritual, valores que o autor achava que estavam em
falta na época. A personalidade subversiva, rebelde e sexual de Cassady opunha-se
aos valores americanos comuns e esperados na época – o emprego fixo, o
casamento tradicional e a família feliz. O consumo de drogas, a vida boémia e a
recusa dos modelos sociais da Beat Generation encontrou a sua personificação na
figura de Cassady, que foi imortalizada como Dean Moriarty na obra On the Road. A falta de conformismo com
as regras é o que destaca Moriarty dos outros amigos intelectuais de Sal
Paradise, o narrador. Sal descreve Dean como “a sideburned hero of the snowy West” (p. 8). Moriarty é, para Sal,
a personificação do Oeste – indomável e exuberante, longe das normas sociais
vigentes. A
sua personalidade é “(…) a wild yea-saying overburst of American joy; it was Western, the
west wind, an ode from the Plains, something new, long prophesied, long
a-coming” (p. 13). Estes
adjectivos são referentes à “criminalidade” de Dean, e é de notar o substantivo
“wind” – algo que aponta para uma força da natureza. “An ode from the Plains”
acrescenta mais uma dimensão natural aplicada à personalidade de Dean. Uma planície
vasta que se encontra a Oeste de Mississippi e a Leste das Rocky Mountains,
algo extenso que se enquadra perfeitamente no desejo de vivenciar e percorrer
os Estados Unidos da América de uma ponta a outra. O Oeste representa,
portanto, o novo horizonte e a liberdade sem limites. A sexualidade que
Moriarty expressa livremente afronta o conformismo suburbano pós-guerra, tal como
a sua aparência esfarrapada (“ragged” (p. 57)) – prefere as roupas velhas, algo
que aponta para a autenticidade e desprendimento dos bens materiais e da
cultura dominante. No entanto, a personagem de Dean Moriarty também demonstra
uma faceta negativa. A sua instabilidade permanente e o desprendimento emocional
são marcados por falta de solidariedade e egoísmo, como por exemplo quando Dean
abandona Sal enquanto este está doente, em Mexico City.
Em On The Road Sal e Dean viajam ambos em
busca do sonho americano do Oeste. Procuram romper com o passado e os ideais de
uma América pós-Guerra, querendo conhecer o Oeste, conhecer a Terra e encontrar
o Paraíso. Com esta viagem, Sal parte em busca de um sentimento beatífico de
auto-purificação, de auto-descoberta e a documentação dessa. Dean é aquilo a
que chamamos de "herói da estrada", livre de qualquer compromisso ou
ambição. Foi escolhida a Primavera para início das viagens com o propósito de
uma regeneração. Toda
esta América sonhada por Sal é, como diz Richard Brautigen, "only a place
in the mind"[1]. On the Road não nos deixa com uma resposta aos problemas de Sal. Enquanto Dean procura
uma aventura atrás de outra, para Sal é necessário existir uma garantia, chegar
a um ponto e encontrar a solução. Não sabemos até que ponto foi realizável este
sonho americano e é com essa mesma dúvida que Kerouac termina o seu livro, com
Sal a contemplar a passagem do tempo, olhando para um rio em New Jersey, sem
entender o que é realmente o sonho americano ou a própria vida, apenas com a
certeza de que o tempo a passa, as pessoas envelhecem e, eventualmente, chega a
morte.
(frame do Filme On The Road, dir. Walter Salles, 2011)
[1] Cit. in Tim Hunt, Kerouac's
Crooked Road: The Development of a Fiction" .Carbondale: Southern Illinois
Press, 2010, p. 74.
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