Sunday, 19 October 2014

Guião de visionamento do filme Suddenly Last Summer de Joseph L. Mankiewicz (1959)


1. No início da peça do mesmo nome, Tennessee Williams refere-se ao cenário de abertura como “as unrealistic as the decor of a dramatic ballet”. Em que medida é que a abertura do filme difere daquela da peça, e será o seu efeito convergente ou divergente com a intenção de T. Williams?

2. Alegorização dos nomes: que alusões discerne no nome do doutor e no contraponto com a tradução que ele próprio faz desse nome?

3. Trata-se de um filme a preto e branco. Que perdas se inferem da limitação deste suporte em relação ao texto dramático. Há mecanismos de compensação? Quais?

4. Registe dois momentos de dissonância entre réplicas das personagens em diálogo e o que nos podem indicar sobre as motivações subjacentes destas.

5. Qual é para si a cena mais impressionante do filme? Porquê?

6. Até que ponto é que a diferente distribuição da informação no filme afeta as incidências temáticas deste em relação à peça?

7. Especule sobre a presença ou falta do elemento raça no filme e na peça sulistas.

3 comments:

  1. 5 - A cena que mais me impressionou foi a última com a Sra. Violet Venable. Após Catherine desbloquear a mente e, com a ajuda do Dr. Cukrowicz, contar a todos as circunstâncias trágicas por detrás da morte de Sebastian, a Sra. Venable fica sinistramente imóvel e a olhar para o nada aparentemente, depois de fechar o único Poema de Verão que o seu filho nunca terminara. O Dr. Cukrowicz aproxima-se dela, estendendo-lhe a mão levando a que ela do que parecia um estado de transe e segure-a a mesma começando a falar com Doutor como se ele fosse Sebastian. Cukrowicz acompanha a Sra. Venable até ao elevador, sem dizer uma palavra, enquanto ela fala com ele como se este fosse o seu filho e tivessem voltado da sua viagem às Encantadas.
    Achei esta cena brilhante por várias razões sendo a primeira obviamente a excelente interpretação de Katharine Hepburn não só nesta cena como em todo o filme. O resto do elenco também faz um trabalho notável nesta cena, sendo que imediatamente percebemos (nós a audiência) que tanto Cukrowicz como a Sra. Foxhill compreendem a nova situação em que Venable se encontra. Ao colocarmos lado a lado a primeira e última cena de Venable no filme, é notório um contraste arrepiante. Ao passo que na sua primeira cena Violet surge a descer do elevador, perante o olhar surpreendido de Cukrowicz e o de admiração da Sra. Foxhill (http://monstergirl.files.wordpress.com/2013/01/cm-capture-132.gif), falando do seu filho como se ele ainda estivesse vivo, depressa corrigindo o seu erro.
    “Sebastian always says Mother, when you descend it’s like the Goddess from the machine, she’s like an angel coming to earth as I float into view.”
    “Such extraordinary eyes. So like his. You must...”
    ” I almost said, "You must meet my son Sebastian." Force of habit.
    Na última cena Violet entra no elevador e sobe para os seus quartos falando novamente com Cukrowicz, desta vez como se ele fosse Sebastian, perante o olhar apreensivo não só do Doutor, mas também da Sra. Foxhill e do Dr. Lawrence J. Hockstader (http://monstergirl.files.wordpress.com/2013/01/capturfiles_347.jpg?w=490&h=267).
    O elevador que antes parecia um trono de onde Violet comandava, manipulava e consumia tudo e todos a seu bel-prazer, assemelha-se nesta última cena mais a uma gaiola psicológica da qual esta personagem dificilmente escapará (http://monstergirl.files.wordpress.com/2013/01/capturfiles_342.jpg?w=490&h=270).
    Reparei em casa, após rever em casa certas cenas do filme, em dois pormenores interessantes: o primeiro é a presença do Anjo da Morte na primeira cena em que Cukrowicz entra no jardim de Sebastien (http://monstergirl.files.wordpress.com/2013/01/primal-garden.jpg) quando é introduzido ao universo macabro do casal Sebastian & Violet, e depois durante o flashback de Catherine em que Sebastien foge da multidão que o persegue em Cabeza de Lobo (http://monstergirl.files.wordpress.com/2013/01/capturfiles_257.jpg).
    Para mais screenshots do filme aqui fica os links onde as fui buscar:
    http://thelastdrivein.com/2013/01/13/suddenly-last-summer-1959-part-i-the-devouring-mother-the-oedipal-son-the-hysterical-woman/
    http://thelastdrivein.com/2013/01/20/tennessee-williams-suddenly-last-summer-1959-part-ii-the-kindness-of-strangers-williams-violent-romance-with-human-wreakage-or-lock-up-your-sons-the-cannibals-are-coming/
    http://thelastdrivein.com/2013/01/21/suddenly-last-summer-1959-part-iii-cut-this-hideous-story-out-of-her-brain/

    ReplyDelete
  2. 1. Parece-me que T. Williams pretende matizar questões como a loucura, a homossexualidade, o incesto, o alheamento e o desejo e fundi-las num só questionamento, enquanto que o realizador, Mankiewicz, releva mais a loucura como alheamento: no início do filme somos imediatamente remetidos para este mundo e há duas cenas em que Catherine se isola para explorar as alas psiquiátricas. Parece, por outro lado, que o simbolismo do jardim e a força simbólica do canibalismo são remetidos para segundo plano e se tornam apenas uma forma de desfecho do mistério do filme - também porque a ação é remetida para outras cenários no filme, quanto ao jardim. O irrealismo também é quebrado pela vontade de integrar outros cenários por parte do realizador (como o hospital).

    2. O Doutor é descrito na didascália de abertura como “young blond DOCTOR, all in white, glacially brilliant, very, very good-looking […] his icy charm”, o que atrai Mrs. Venable. “Sugar” [Cukrowicz] tanto é representado na sua descrição pela cor do açúcar (aliás, a preferida de Sebastian) como pelo lado sedutor que exerce sobre Violet Venable.

    3. As cores do jardim desaparecem na adaptação cinematográfica, por exemplo. A exuberância cromática do jardim, que nos remete para uma fronteira entre o Éden e o Inferno, é compensada pelo desdobramento visual dos elementos simbólicos presentes no texto de T. Williams. Tal é o caso da imagem recorrente da Morte, esqueleto esquálido com foice e manto e que aparece em locais tão distintos, do jardim de Mrs. Venable a Cabeza de Lobo, onde Sebastian é devorado.

    4. Uma das cenas iniciais indica-nos a motivação do Doutor para se envolver no caso de Sebastian Venable e tudo o que isso implica: dinheiro para suportar a sua fundação. Isto é revelado no diálogo inicial do Doutor com Mrs. Venable na peça e do Doutor com uma personagem acrescentada, o seu chefe, no filme.

    Outra cena, o confronto entre Catherine e Mrs. Venable, na presença do Doutor, deixam bem clara a intenção de Violet, que quer operar a lobotomia na sobrinha para esconder uma história (a da morte de Sebastian). Isto vai-se subentendendo na peça e não é diretamente dito.

    (continua)

    ReplyDelete
  3. (continuação do comentário anterior)

    5. Para mim a cena mais impressionante é aquela em que Catherine irrompe na ala psiquiátrica dos homens. Por um lado mais prático surpreendeu-me ser um acrescento deliberado do realizador que rompe com a estrutura dramática da peça, como já tinha vindo a ser feito, mas desta vez de forma mais marcante, se tivermos em conta o paralelismo que o realizador executa no seu próprio filme (Catherine entrará depois na ala psiquiátrica das mulheres: se compararmos as reações de homens e mulheres perante a aparição de Catherine podemos fazer variadíssimas interpretações). Por outro lado mais simbólico marcou-me o confronto da personagem com o eixo temático que domina a sua patologia e toda a tensão dramática: a linha que delimita o desejo do canibalismo, tabu crucial para a compreensão do simbolismo do texto.

    6. Para começar, e como foi desenvolvido no primeiro ponto, no filme é-nos dada ao início informação que só é desvendada no decorrer da peça: há um manicómio envolvido e um psiquiatra especialista em lobotomia, logo deverá existir uma personagem que sofre de alguma patologia. Depois a loucura, no seu sentido patológico, é um "topos" mais dominante no filme do que no texto de T. Williams (pois o texto dramático sendo teatral ofusca essa noção de alheamento na loucura e que é reforçada nas duas cenas em que Catherine irrompe nas alas psiquiátricas dos homens e das mulheres).

    Em segundo lugar, o adiamento da aparição de Catherine em cena deixa no espetador expetativas sobre esta personagem. A sua psicologia é mais desenvolvida com acrescentos do realizador (como a cena referida no ponto anterior).

    Por fim, a pressão que a família de Catherine faz à filha é repetida ao longo do filme e não localizada como na peça, vincando mais a preponderância do dinheiro na tensão dramática.

    7. O elemento “raça” não está presente em Suddenly Last Summer a meu ver por duas razões: a primeira é acidental e é porque não há muita presença deste elemento na literatura sulista desta época, que prefere abordar outros assuntos: a decadência das antigas famílias sulistas, a a miséria (pobreza e doença) e o insólito (fantasmas, espíritos, personagens bizarras e homicídios estranhos). A segunda parece-me ser uma razão intencional no sentido em que, na leitura do texto ou visualização do filme, o elemento mais importante que se aproxima do elemento “raça” é o elemento “pobreza”, presente no grupo de rapazes que ataca Sebastian. As diferenças culturais entre o grupo de espanhóis e as duas personagens americanas não são tão destacadas para dar ênfase à verdadeira barreira que os separa (e que acaba por quebrada da forma mais trágica): a da condição social.

    ReplyDelete