Sunday, 13 March 2016

Debate #2: Pro book Fahrenheit 451 (Ana Ramos, Bruna Duarte, Henrique)



A comparação de um livro à sua adaptação cinematográfica é sempre um tema controverso e difícil de abordar. É inevitável que certos aspetos sejam impossíveis de materializar, devido a limitações tecnológicas, orçamentais ou até morais. No entanto, a versão de Fahrenheit 451 que Truffaut trouxe ao grande ecrã em 1966 peca pela demasia. Apesar do mestre Truffaut, merecedor de grande aclamação por impulsionar a Nova Vaga do cinema francês, ter concebido um filme de grande sucesso em termos de inovação e criatividade, olhando através de uma perspetiva literária, é possível diminuir o seu mérito, em prol da obra original.

O primeiro aspeto a considerar é o modo como as duas obras se vinculam ao tempo. Enquanto que o romance de Ray Bradbury tem vindo a ser estudado através de décadas, fixando-se na história da literatura universal como um clássico, o filme terá uma menor resistência ao tempo, quer pelos assuntos em que se foca (como por exemplo o Nazismo e a Segunda Guerra Mundial) quer pelos efeitos especiais atualmente ultrapassados, e estética peculiar dos anos 60, tal como os figurinos de tendência Mod típica da época, e arquitetura que visava ser futurista mas que acaba por fixar o filme à sua época com mais intensidade. Atribuindo a estes aspetos uma menor importância, considerando-os assim de ordem secundária, devido ao caráter icónico do filme, e ao impacto que proporcionou na carreira do realizador, abordar-se-ão, de seguida, as divergências que poderão ajudar a favorecer o livro.

Vários elementos cruciais para o desenvolvimento da narrativa foram omitidos ou distorcidos, implicando uma deturpação dos sentidos e do simbolismo da história original.

A maior evidência desta deturpação é a omissão de duas personagens extremamente importantes no livro, por aquilo que representam, e pelas emoções que induzem quer no personagem principal, quer no próprio leitor.  Referimo-nos, em primeiro lugar, ao Mechanical Hound, elemento de intimidação e castigo, que representava a opressão governamental. Acreditamos que, sem este elemento no filme, muita da tensão e do medo são perdidos, pois a ausência da ameaça apenas nos faz pensar que quem quebra a lei não vai sofrer grandes consequências.
No extremo oposto deste espectro, temos Faber, que nos momentos mais angustiantes sussurrava ao ouvido de Montag como uma voz da consciência, clara e segura, pronta para o encaminhar na direção certa. Faber serve de mentor a Montag, elucidando-o de como proceder e no fim, onde se dirigir para a sua salvação.
Apesar de se poder argumentar que Truffaut escolheu propositadamente incorporar estes elementos nas novas construções de Clarisse e Mildred, defendemos que este papel duplo (quer literal, quer figurativo) representado pelas personagens femininas se perde pelo caminho. Clarisse foi envelhecida, normalizada e mantida viva, a fim de concretizar a possibilidade de ser olhada como um novo par romântico para Montag, servindo também de mentora, apesar da sua tenra idade e pouca experiência.
Mildred, agora Linda, passou de uma mulher hipnotizada pela Televisão, sem emoções, vivendo à custa de estimulantes, para uma figura feminina atraente e um pouco mais viva. A sua relação com Montag no filme não é tão insípida. Linda chega a oferecer-lhe um presente, e Montag demonstra interesse sexual nela, assim como os técnicos de limpeza ao estômago.

De um modo geral, acreditamos que a falta de emoção e intensidade na obra de Truffaut faz o seu espectador experienciar o filme de um modo mais atenuado, não estimulando uma resposta crítica e reflexiva tão eficazmente como o livro, que acelera a pulsação, e estimula a vontade de querer sempre saber mais, sendo que a única limitação é a imaginação do leitor.

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