A comparação de um livro à sua adaptação cinematográfica é sempre um
tema controverso e difícil de abordar. É inevitável que certos aspetos sejam
impossíveis de materializar, devido a limitações tecnológicas, orçamentais ou
até morais. No entanto, a versão de Fahrenheit
451 que Truffaut trouxe ao grande ecrã em 1966 peca pela demasia. Apesar do
mestre Truffaut, merecedor de grande aclamação por impulsionar a Nova Vaga do
cinema francês, ter concebido um filme de grande sucesso em termos de inovação
e criatividade, olhando através de uma perspetiva literária, é possível
diminuir o seu mérito, em prol da obra original.
O primeiro aspeto a considerar é o modo como as duas obras se vinculam ao tempo. Enquanto que o romance de Ray Bradbury tem vindo a ser estudado através de décadas, fixando-se na história da literatura universal como um clássico, o filme terá uma menor resistência ao tempo, quer pelos assuntos em que se foca (como por exemplo o Nazismo e a Segunda Guerra Mundial) quer pelos efeitos especiais atualmente ultrapassados, e estética peculiar dos anos 60, tal como os figurinos de tendência Mod típica da época, e arquitetura que visava ser futurista mas que acaba por fixar o filme à sua época com mais intensidade. Atribuindo a estes aspetos uma menor importância, considerando-os assim de ordem secundária, devido ao caráter icónico do filme, e ao impacto que proporcionou na carreira do realizador, abordar-se-ão, de seguida, as divergências que poderão ajudar a favorecer o livro.
Vários elementos cruciais para o desenvolvimento da narrativa foram omitidos ou distorcidos, implicando uma deturpação dos sentidos e do simbolismo da história original.
A maior evidência desta deturpação é a omissão de duas personagens
extremamente importantes no livro, por aquilo que representam, e pelas emoções
que induzem quer no personagem principal, quer no próprio leitor. Referimo-nos, em primeiro lugar, ao
Mechanical Hound, elemento de intimidação e castigo, que representava a
opressão governamental. Acreditamos que, sem este elemento no filme, muita da
tensão e do medo são perdidos, pois a ausência da ameaça apenas nos faz pensar
que quem quebra a lei não vai sofrer grandes consequências.
No extremo oposto deste espectro, temos Faber, que nos momentos mais angustiantes sussurrava ao ouvido de Montag como uma voz da consciência, clara e segura, pronta para o encaminhar na direção certa. Faber serve de mentor a Montag, elucidando-o de como proceder e no fim, onde se dirigir para a sua salvação.
Apesar de se poder argumentar que Truffaut escolheu propositadamente incorporar estes elementos nas novas construções de Clarisse e Mildred, defendemos que este papel duplo (quer literal, quer figurativo) representado pelas personagens femininas se perde pelo caminho. Clarisse foi envelhecida, normalizada e mantida viva, a fim de concretizar a possibilidade de ser olhada como um novo par romântico para Montag, servindo também de mentora, apesar da sua tenra idade e pouca experiência.
Mildred, agora Linda, passou de uma mulher hipnotizada pela Televisão, sem emoções, vivendo à custa de estimulantes, para uma figura feminina atraente e um pouco mais viva. A sua relação com Montag no filme não é tão insípida. Linda chega a oferecer-lhe um presente, e Montag demonstra interesse sexual nela, assim como os técnicos de limpeza ao estômago.
No extremo oposto deste espectro, temos Faber, que nos momentos mais angustiantes sussurrava ao ouvido de Montag como uma voz da consciência, clara e segura, pronta para o encaminhar na direção certa. Faber serve de mentor a Montag, elucidando-o de como proceder e no fim, onde se dirigir para a sua salvação.
Apesar de se poder argumentar que Truffaut escolheu propositadamente incorporar estes elementos nas novas construções de Clarisse e Mildred, defendemos que este papel duplo (quer literal, quer figurativo) representado pelas personagens femininas se perde pelo caminho. Clarisse foi envelhecida, normalizada e mantida viva, a fim de concretizar a possibilidade de ser olhada como um novo par romântico para Montag, servindo também de mentora, apesar da sua tenra idade e pouca experiência.
Mildred, agora Linda, passou de uma mulher hipnotizada pela Televisão, sem emoções, vivendo à custa de estimulantes, para uma figura feminina atraente e um pouco mais viva. A sua relação com Montag no filme não é tão insípida. Linda chega a oferecer-lhe um presente, e Montag demonstra interesse sexual nela, assim como os técnicos de limpeza ao estômago.
De um modo geral, acreditamos que a falta de emoção e intensidade na
obra de Truffaut faz o seu espectador experienciar o filme de um modo mais
atenuado, não estimulando uma resposta crítica e reflexiva tão eficazmente como
o livro, que acelera a pulsação, e estimula a vontade de querer sempre saber
mais, sendo que a única limitação é a imaginação do leitor.
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