Wednesday, 17 September 2014

"Footnote to Howl", Allen Ginsberg, 1955

(por qualquer razão desconhecida, não incluída na antologia Norton...)

Footnote to Howl


Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy!
The world is holy! The soul is holy! The skin is holy! The nose is holy! The tongue and cock and hand and asshole holy!
Everything is holy! everybody’s holy! everywhere is holy! everyday is in eternity! Everyman’s an angel!
The bum’s as holy as the seraphim! the madman is holy as you my soul are holy!
The typewriter is holy the poem is holy the voice is holy the hearers are holy the ecstasy is holy!
Holy Peter holy Allen holy Solomon holy Lucien holy Kerouac holy Huncke holy Burroughs holy Cassady holy the unknown buggered and suffering beggars holy the hideous human angels!
Holy my mother in the insane asylum! Holy the cocks of the grandfathers of Kansas!
Holy the groaning saxophone! Holy the bop apocalypse! Holy the jazzbands marijuana hipsters peace peyote pipes & drums!
Holy the solitudes of skyscrapers and pavements! Holy the cafeterias filled with the millions! Holy the mysterious rivers of tears under the streets!
Holy the lone juggernaut! Holy the vast lamb of the middleclass! Holy the crazy shepherds of rebellion! Who digs Los Angeles IS Los Angeles!
Holy New York Holy San Francisco Holy Peoria & Seattle Holy Paris Holy Tangiers Holy Moscow Holy Istanbul!
Holy time in eternity holy eternity in time holy the clocks in space holy the fourth dimension holy the fifth International holy the Angel in Moloch!
Holy the sea holy the desert holy the railroad holy the locomotive holy the visions holy the hallucinations holy the miracles holy the eyeball holy the abyss!
Holy forgiveness! mercy! charity! faith! Holy! Ours! bodies! suffering! magnanimity!
Holy the supernatural extra brilliant intelligent kindness of the soul!
                                                                                                            Berkeley 1955

Monday, 8 September 2014

Pastiche de On the Road e sua memória descritiva (trabalho de Pedro Franco)


Um intersecionismo entre os E.U.A. dos beat e Lisboa no verão
                  1. No dia em que voltei [1]a Lisboa estavam lá todos: o Carlo, o Chad, a Marylou, o Big Ed Dunkel, Old Bull Lee. Todos. Menos o Dean, que era o meu melhor amigo. Conheci o Dean pouco tempo depois da minha namorada e eu nos termos separado. Eu acabara de recuperar de uma fase grave de que não vou dar-me ao trabalho de falar a não ser que não teve nada a ver com essa rutura extremamente deprimente e a minha sensação de que tudo fracassava.
                  2. Lisboa rebentava com o calor, com a humidade e com a festa. Com o aroma itinerante de sardinha, que flutuava de terraço em terraço, com copos e garrafas de cerveja deitados, jazendo na calçada nervosa. Lisboa rebentava, tinha-se desertificado. Só sobrava a massa informe dos turistas. Estava-se, na realidade, em Alger.
                  3. Eu fui ter com o Carlo à cave do número quatro da Praça da Alegria, pois ele estava muito triste e queria ter o seu momento benzedrina comigo – todas as semana tínhamos um momento benzedrina em que éramos totalmente sinceros um com o outro. Mal sonhava ele que quem estava a morrer era eu, apesar da minha aparência apática, por causa da minha aparência apática. O Carlo, marxista, sempre quisera fazer amor comigo mas eu, que sou muito liberal, disse-lhe pago-te uma puta se quiseres desde que não interfiras no belo intervalo que é o que eu sou do que tu és, que é a nossa amizade, o intervalo. Eu também o amava. Faltava lá o Dean, no entanto.
                  4. Juntos inicámos o ritual, os sons do Hot Club penetravam as paredes finas e poeirentas da cave, era aquela dupla que soprava hoje à noite um disorder at the border, Dexter e Wardell[2].
                  5. Carlo falou-me de muita coisa mas eu só olhava para os olhos dele e via irrigações de sangue neuróticas, existencialistas. Uma não-alma. Dos seus olhos vi-me e eu não era louco, afinal de contas. Era só carne e osso, cheirava a cevada, o meu hálito era nojento. Ou se calhar era a benzedrina.
                  6. Para afastar as alucinações acendi um cigarro e enrosquei-me na ideia de que queria voltar às Montanhas Rochosas[3]. Ou pelo menos à Arrábida. Enfim, fazer vida de festa ou de monge, desde que se pudesse fumar.


[1] Orig.”cheguei”
[2] Ref. Dexter Gordon e Wardell Gray. .Orig. “era o master que soprava hoje à noite”
[3] Orig. Rocky Mountains

Memória Descritiva
                  Este pastiche foi realizado após a primeira leitura que fiz de On the Road. Trata-se de um registo das impressões mais fortes da leitura realizadas através do intersecionismo entre os E.U.A. dos escritores da geração beat e Lisboa no verão. Em consequência da utilização do processo pessoano teremos:
Ø  digressões entre o universo do eu-narrador deste exercício e o do narrador de On the Road e por vezes do da vida do seu autor
Ø  confusões e sobreposições, traindo qualquer possibilidade de uma espécie de continuação ou interpretação da narrativa na qual se baseia este exercício.
Baseia-se especialmente nos capítulos 6-10 da parte 1, ou seja a estadia de Sal Paradise em Denver.
                  As impressões que tentei plasmar são aquelas que concernem [por parágrafo]:
1. o incipit – as razões que levam Sal a ir e voltar constantemente;
2. o ambiente árido e vadio de Denver, transposto para Lisboa no verão;
3. as relações ambíguas e o sentido de camaradagem; o confronto do conservadorismo de Sal / Kerouac com o libertinismo dos outros membros da geração beat; a dificuldade em expressar os “reverent mad feelings” [preocupação essencialmente artística];
4. o jazz e a sua peculiaridade no imaginário americano;
5. uma aproximação ao existencialismo;
6. a noção de beatífico.
Propus-me a captar um fragmento estático entre o vir e o ir recorrentes em On the Road – “no dia em que voltei”, “queria voltar” [ir]. A repetição do verbo “voltar” sugere a ausência da estrada no seu sentido concreto. Outra ausência flagrante é a de Dean Moriarty / Neal Cassady. Esta é sobretudo um recurso para o passo 3, explicado mais abaixo.
                  Estilisticamente adotei por vezes a parataxe (discurso direto livre no passo 3 ou “apesar da minha apatia, por causa da minha apatia”), o anacoluto (idem) e a aliteração (“disorder at the border, Dexter e Wallder”).

                  Segue-se então à análise de cada parágrafo, ou passo, deste texto:    
                  No primeiro parágrafo parafraseei o incipit de On the Road numa tradução livre para situar o imaginário gerador da nova narrativa nos seus novos tempos e espaços. A alteração de certos termos (“illness”, “fase”; “wife”, “namorada”) estabelece as diferenças entre o eu-narrador e o narrador-autor; introduz também o conceito de pastiche, não inteiramente fiel.               No segundo passo descrevi Lisboa no verão. Tentei estabelecer um paralelismo entre Lisboa e a Denver de On the Road, ao criar um rasto de elementos locais por onde as personagens pudessem ter passado (o rasto da sardinha [“ice cream and apple pie”], a cerveja); ao recriar uma certa vadiagem (os copos e garrafas no chão) e aridez (o calor, a desertificação); ao repor, mesmo, certos atributos localizados na obra trabalhada (“a massa informe dos turistas” no texto escrito corresponde a uma passagem [pp 46, Penguin] da viagem a Central City: “narrow streets choke full of chichi tourists”). Saliento também o último período deste parágrafo – “Estava-se, na realidade, em Alger”. Alger aparece como a Alger d’O Estrangeiro de Camus (esta relação será estabelecida mais abaixo.). Algiers é também o nome da localidade pantanosa do Louisiana onde vivia Old Bull Lee [Borroughs] com a sua mulher, e Ginsberg, passou pelo Norte de África (como se pode inferir das suas cartas). Esta coincidência pode-nos servir de portal para o parágrafo seguinte, no qual Carlo Marx é introduzido.
                  No terceiro passo, o trio das personagens principais, “the old threesome of Carlo, Dean and Sal” [pp. 29, Penguin], é posto em causa pela referida ausência do segundo – é uma variante do episódio em que os três se reúnem na cave de Carlo e Sal assiste à discussão entre os dois acesa pela benzedrina [pp. 43-45, Penguin]. Trata-se de um processo de desdobramento de personagens. A ausência de Dean resulta na canalização do desejo de confidência e do desejo sexual em direção ao narrador autodiegético. A tensão provocada evidencia o confronto do conservadorismo de Sal / Kerouac com o resto das personagens. Este confronto de ideologias, aliás modos de vida, é, a meu ver, um dos aspetos mais importantes da obra de Kerouac e merece ser destacado porque é uma das grandes linhas de força de On the Road. Outro efeito que pretendia concretizar com a ausência de Dean era a intensificação da sua importância para o desenvolvimento da narrativa e a sua interpretação. O silêncio desta personagem dá a impressão de que, “faltando lá o Dean”, algo não se concretiza. É ainda nesse sentido que a sua ausência acentua o sentido de camaradagem, também este um tópico relevante em On the Road. A aparente contradição “apesar da minha apatia, por causa da minha apatia” justifica-se pela conotação aqui explorada da palavra, sendo que a aparência apática por um lado não transparece a ansiedade (“quem estava a morrer era eu”) e, por outro, a apatia mental é geradora de incapacidade de sentir e, consequentemente, da inércia produtiva. A respeito da incapacidade de sentir, esta é bastante evidente ao longo do romance de Kerouac ao reconhecer em Dean o aldrabão (“conman”) e ainda assim ver nele “the secret that we're all busting to find out” [parte três]. A respeito (do sentimento de) inércia produtiva, Ann Charters nota no prefácio à edição da Penguin que Kerouac, após escrever a primeira parte de On the Road (e, portanto, após ter vivido essas mesmas experiências captadas) sentia uma “emptiness and even falseness”.
                  O quarto parágrafo é onde mais se destaca a parataxe e portanto é a passagem que estilisticamente mais se identifica com o Kerouac de On the Road. Para além da sua função estilística, tem uma função sensitiva (auditiva) e de contextualização cultural. O topos do jazz é das impressões mais fortes que se pode receber delas. Recorri aos nomes citados por Kerouac na sua obra – entre outros, Dexter Gordon e Wallder Gray. Por serem tão característicos de um tempo e de um espaço (sul, Memphis), ao contrário de nomes como Miles Davis ou Charlie Parker (que a tanto mais se podem associar), seria a opção mais acertada. A passagem no fim do parágrafo que contém a aliteração com ritmos de bebop (“disorder at the border, Dexter e Wallder”) confere a musicalidade sugerida e alude à confusão até agora gerada pela fusão de horizontes (Portugal / E.U.A., Sal / eu-narrador).
                  No quinto parágrafo são feitas associações problemáticas como “irrigações de sangue […] existencialistas” ou “não-alma”. Atribuí portanto um carácter existencialista ao universo de On the Road, mais precisamente, no texto, a Carlo Marx (por extensão ao modo de vida desta geração). Esse carácter existencialista é visível, julgo, numa das citações mais simbólicas do romance de Kerouac, onde o narrador terá negado a natureza humana – “I was just somebody else, some stranger, and my whole life was a haunted life, the life of a ghost”. [pp 15-16, Penguin] Isto aproxima-nos muito do pensamento de Sartre (L’Existencialisme est un Humanisme). Negando a natureza humana põem-se várias hipóteses como conduta na vida, tendo em conta que “estamos condenados a ser livres” (ibidem). E, além disso, “a existência precede e governa a essência” (ibidem). Estas duas ideias fulcrais do existencialismo querem dizer, de um modo simplista e muito redutor, que as ações de um Homem talham o seu carácter – a liberdade e a responsabilidade do Homem são uma realidade nesta corrente filosófica. Do meu ponto de vista, é possível relacionar a história de Sal Paradise e a vida e obra de Jack Kerouac com as ideias de Camus, segundo as quais “a fraternidade é a única resposta ao absurdo” (camaradagem na obra). Tendo em conta que Camus seguiu durante muito tempo princípios católicos, pelo menos em grande parte da sua vida, e que terá o influenciado o seu pensamento filosófico, podemos estabelecer a ponte com a noção de beatífico.
                  Esta é a noção que encontramos no sexto parágrafo, alicerce e finalidade da experiência beat. Cristaliza-se na escolha toponímica da Arrábida – serra dos monges, local de oração (al-rabit). Finalmente, o verdadeiro dilema de Kerouac entre a vida com os amigos / boémia / móvel e a vida familiar / religiosa / estável, no fim deste exercício de pastiche, encontra uma só condição: a condição de se poder fumar.